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Como a queda nas taxas de vacinação pode levar ao retorno da paralisia infantil

Vírus pode se infiltrar em regiões dos EUA onde há um número significativo de pessoas não vacinadas, voltando a causar estragos

Saúde|Apoorva Mandavilli, do The New York Times

Clínica de vacinação contra a poliomielite no Departamento de Saúde do Condado de Rockland em Pomona, Nova York Victor J. Blue/The New York Times

Depois do momento em que uma criança é vacinada contra a poliomielite, também conhecida como pólio, a maioria dos pais não volta a pensar na doença. Mas houve um período nos Estados Unidos em que a poliomielite paralisava 20 mil pessoas por ano, matando muitas delas.

A vacina mudou o curso da luta contra o vírus. Na última década, houve apenas um caso nos Estados Unidos, relacionado a viagens internacionais. Só que esse cenário pode mudar com rapidez se as taxas de vacinação contra a pólio caírem ou se a vacina se tornar menos ível.

Robert F. Kennedy Jr., cético de longa data em relação às vacinas e um possível futuro secretário de Saúde e Serviços Humanos, afirmou que a ideia de que a vacinação praticamente erradicou a poliomielite é “um mito”. Embora tenha dito que não pretende privar os norte-americanos das vacinas, argumenta há muito tempo que elas não são tão seguras e eficazes quanto se diz. Ainda em 2023, declarou que lotes de uma versão inicial da vacina contra a poliomielite, contaminados por um vírus, causaram vários tipos de câncer “que mataram muito, muito, muito mais gente do que a poliomielite”. A contaminação de fato ocorreu, mas as pesquisas nunca provaram sua relação com o câncer.

Aaron Siri, advogado e conselheiro de Kennedy, representou um cliente que queria contestar a aprovação ou a distribuição de algumas vacinas contra a poliomielite com o argumento de que poderiam não ser seguras, mas é pouco provável que esses esforços tenham sucesso. E a vacinação é amplamente apoiada entre republicanos de destaque, incluindo o presidente eleito Donald Trump e o senador Mitch McConnell, que teve poliomielite na infância.


Mas o secretário de Saúde e Serviços Humanos tem autoridade para desencorajar a vacinação de maneiras menos diretas. Poderia retirar fundos federais para os programas de vacinação infantil, acelerar o fim da obrigatoriedade da imunização escolar em estados já menos inclinados às vacinas ou fomentar dúvidas sobre elas, agravando a queda nas taxas de imunização.

Os cientistas dizem que, se esses índices caírem, o vírus pode se infiltrar em regiões do país onde há um número significativo de pessoas não vacinadas, voltando a causar estragos. O vírus pode estar quase erradicado em sua forma original, mas a reincidência permanece uma ameaça constante.


Segundo David Heymann, médico especialista em doenças infecciosas da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres e ex-líder da erradicação da poliomielite da OMS (Organização Mundial da Saúde), é provável que qualquer decisão que a istração Trump tome em relação à vacina contra poliomielite tenha repercussões em nível global: “Se os EUA retirarem a licença, muitos outros países vão fazer o mesmo. O ressurgimento da pólio quando está tão perto de ser erradicada seria muito, muito, muito triste.”

Antes de 1955, quando a vacina foi introduzida, a doença deixava mais de 15 mil norte-americanos incapacitados a cada ano e centenas de milhares de pessoas a mais no mundo inteiro. Só em 1952, matou três mil pessoas nos EUA depois que a paralisia as impossibilitou de respirar. Muitas das que sobreviveram ainda vivem com as consequências. “As pessoas subestimam quanto a pólio foi horrível”, disse. Karen Kowalske, médica e especialista em poliomielite do Centro Médico do Sudoeste, da Universidade do Texas em Dallas. Muita gente que se recuperou sofre agora da “síndrome pós-pólio”: alguns dos sintomas originais, incluindo fraqueza muscular e problemas respiratórios, retornam.


Kowalske atende cerca de cem pacientes com poliomielite que precisam de aparelho ortopédico, cadeira de rodas ou outros dispositivos para lidar com a fraqueza progressiva. Alguns são idosos que foram infectados antes que a vacina estivesse disponível; outros, imigrantes de meia-idade de países onde a poliomielite permaneceu sendo um problema por muito mais tempo do que nos Estados Unidos.

Para alguns sobreviventes, a ideia do retorno da pólio é inconcebível. Carol Paulk contraiu a doença em 1943, quando tinha só três anos. A perna direita nunca se recuperou, e, durante toda a vida, teve grande dificuldade de locomoção e sentiu dores quase constantes. Ela está entre os mais afortunados. Até recentemente, não sofria dos problemas respiratórios, de deglutição ou de digestão que costumam atormentar os sobreviventes da poliomielite. Teve “uma vida maravilhosa, maravilhosa” com marido e três filhas, uma graduação em direito e muitas viagens ao exterior.

Mas sempre, em todos os lugares, calcula a distância até o próximo assento, quanto tempo sua energia vai durar e se uma atividade compensa a dor debilitante do dia seguinte. Paulk não participou da Marcha sobre Washington por Emprego e Liberdade, de 1963, nem praticou esportes, como tanto queria, nem fez trilhas, praticou esqui ou andou de bicicleta com o marido. “Se houvesse hoje uma audiência pública sobre a vacina contra a poliomielite, eu iria, tiraria minha órtese, deixaria que vissem minha perna e perguntaria: é isso que vocês querem para seus filhos?”

Atualmente, a pólio incapacita muito menos crianças. A vacinação eliminou o vírus da maior parte do planeta, reduzindo os casos em mais de 99,9% e prevenindo cerca de 20 milhões de quadros de paralisia. Ainda assim, o vírus se mostrou um inimigo persistente, e sua erradicação foi adiada repetidas vezes. Em 2024, 20 países relataram casos da doença, e o vírus foi detectado em águas residuais de cinco países europeus, décadas depois de sua eliminação oficial na região, e também na Austrália. “Qualquer redução nas taxas de cobertura aumenta o risco de poliomielite em qualquer lugar”, ressaltou Oliver Rosenbauer, porta-voz do programa de erradicação da poliomielite da OMS.

Criança é vacinada durante campanha de vacinação contra a poliomielite em Peshawar, no Paquistão Insiya Syed/The New York Times

Existem três tipos de poliovírus, e a erradicação exige que os três desapareçam. Durante anos, o objetivo esteve muito perto de ser alcançado. O tipo 2 foi declarado erradicado em 2015, e o tipo 3, em 2019. O tipo 1 agora circula só no Afeganistão e no Paquistão. Em 2021, os dois países somaram só cinco casos; em 2024, registraram 93. Mas esses números contam apenas parte da história. Em um desdobramento surpreendente, uma vacina oral usada em algumas partes do mundo manteve o poliovírus em circulação durante muito tempo além do previsto para sua eliminação.

Na maioria dos países de baixa e média renda, as autoridades de saúde ainda usam uma vacina oral istrada em duas gotas na língua. É barata, fácil de aplicar e previne a transmissão do vírus. Contudo, ela contém o vírus enfraquecido, que as crianças vacinadas podem eliminar no ambiente por meio das fezes. Quando há um número suficiente de crianças não vacinadas para infectar, o patógeno se espalha devagar, recuperando sua virulência e podendo causar a paralisia.

O problema é o seguinte: desde 2016, a vacina oral usada para a imunização rotineira não protege contra o vírus do tipo 2. As autoridades de saúde globais tomaram a decisão deliberada de reformular a vacina com base no fato de que o vírus do tipo 2 já não existia em seu estado natural. Isso acabou sendo prematuro. Em algumas partes do mundo, crianças vacinadas por via oral disseminaram mais vírus do tipo 2 do que as autoridades haviam previsto. Quando algumas crianças não imunizadas, ou aquelas que receberam a versão mais recente da vacina oral, entraram em contato com esse vírus do tipo 2 “derivado da vacina”, foram infectadas e ficaram paralisadas.

O poliovírus derivado da vacina agora paralisa mais crianças do que o vírus que ocorre naturalmente. A Nigéria, por exemplo, eliminou todo o chamado poliovírus selvagem em 2020. Mas, em 2024, o país registrou 93 casos de vírus do tipo 2 derivado da vacina, mais de um terço do total em nível global.

Nada disso é problema para os norte-americanos, desde que estejam vacinados. A vacina inativada de poliovírus (VIP) usada para a imunização rotineira das crianças protege contra os três tipos de poliomielite. Essas formulações contêm o vírus morto, de forma que não podem causar a doença ou reverter para uma variante perigosa. Mas, como algumas outras vacinas para doenças infecciosas, elas não previnem totalmente a infecção ou a transmissão do vírus. Esse aspecto está entre as críticas de Siri, assessor de Kennedy.

Carol Paulk, que contraiu pólio em 1943, com apenas 3 anos, em Dallas Via Carol Paulk via The New York Times

Ainda assim, isso é menos importante do que o poder quase perfeito da vacina para prevenir a paralisia, disseram os especialistas. “Sim, sim, é verdade, a VIP não impede a transmissão. Mas, veja bem, é a melhor coisa que já inventaram para evitar a paralisia”, afirmou William Petri, médico especialista em doenças infecciosas e ex-presidente do comitê de pesquisa sobre a poliomielite da OMS. Contudo, isso significa que as pessoas vacinadas com a IPV podem manter o vírus em circulação, mesmo estando protegidas contra as doenças e a paralisia.

Aqui está um cenário realista que preocupa os pesquisadores: alguém imunizado com a vacina oral contra a poliomielite em outra nação pode levar o vírus para os Estados Unidos e depois eliminá-lo em sua forma enfraquecida. Isso já ocorreu em outros países. Enquanto a maior parte da população permanecer vacinada, é provável que isso não desencadeie uma epidemia. Mas se o vírus chegar a comunidades com baixas taxas de vacinação, pode se espalhar e, então, reverter para uma forma virulenta capaz de causar a paralisia.

Foi o que houve em Nova York, em 2022, quando a poliomielite atingiu um jovem de 20 anos, não vacinado, membro de uma comunidade judaica ultraortodoxa no condado de Rockland. A taxa de vacinação naquela localidade era de pouco mais de 60%, em comparação com a média nacional de 93%. Fazia meses que o vírus que paralisou o jovem estava circulando, e depois foi detectado em amostras de esgoto de vários condados de Nova York com taxas de vacinação próximas a 60%, o que levou o estado a decretar emergência.

Poliovírus geneticamente relacionados foram encontrados em amostras de águas residuais no Reino Unido, em Israel e no Canadá, sugerindo uma transmissão disseminada. As autoridades encontraram mais tarde dois poliovírus distintos do tipo 2 derivados da vacina no esgoto de Nova York, indicando duas importações separadas.

Se a poliomielite ressurgir nos Estados Unidos, é improvável que seja tão devastadora quanto nas décadas que antecederam a vacina. Muitos adultos mais velhos ainda se lembram de que, na infância, não tinham permissão para nadar em rios ou piscinas, ou em qualquer lugar onde o vírus pudesse estar. “Não podíamos brincar nos rios nos anos 50 porque aquele era o local de despejo do esgoto não tratado. Esse já não é o caso, por isso não haveria uma transmissão maciça imediata nos Estados Unidos. Mas, mesmo que só algumas crianças ficassem paralisadas, já seria terrível”, disse Heymann.

c. 2025 The New York Times Company

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