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Coreia do Norte: o que se sabe sobre a capacidade do país de produzir bombas atômicas hoje

Progresso da ditadura de Kim Jong-un em atividades nucleares se tornou uma grande preocupação para rivais e vizinhos

Internacional|Felipe de Paula, do R7

Kim Jong-un durante visita às instalações de enriquecimento de urânio em setembro de 2024 Divulgação/KCNA (Agência Central de Notícias da Coreia)

Em uma rara iniciativa de transparência controlada, a Coreia do Norte divulgou em setembro do ano ado imagens internas de uma instalação de enriquecimento de urânio.

As fotos, divulgadas pelo jornal Rodong Sinmun e pela agência estatal KCNA, mostram Kim Jong-un inspecionando fileiras de centrífugas metálicas, em um local não identificado, mas que analistas acreditam ser a planta de Kangson, nos arredores de Pyongyang.

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A decisão de revelar o interior da instalação parece ter múltiplos objetivos, segundo especialistas em defesa ouvidos pelo R7: demonstrar avanços técnicos, consolidar a doutrina de dissuasão do regime e enviar uma mensagem estratégica tanto para aliados quanto para adversários.


Do ponto de vista técnico, porém, as imagens indicam mais do que simbolismo: sugerem uma evolução significativa na infraestrutura de enriquecimento de urânio da Coreia do Norte.

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Como funcionam as instalações?

O processo de enriquecimento de urânio é voltado para a separação do isótopo físsil U-235 do mais abundante U-238. Como esses isótopos são quimicamente idênticos, a separação depende de pequenas diferenças de massa — uma tarefa extremamente complexa do ponto de vista físico.


A Coreia do Norte utiliza centrífugas de gás, onde o gás hexafluoreto de urânio (UF₆) é girado em alta velocidade. Durante esse processo, o isótopo mais pesado (U-238) se move para a borda do cilindro, enquanto o U-235, mais leve, concentra-se no centro.

Embora as imagens das centrífugas tenham sido divulgadas apenas no ano ado, a existência do programa de enriquecimento de urânio é conhecida desde 1998, quando o cientista paquistanês AQ Khan, conhecido por ser o precursor dos estudos nucleares de seu país, enviou sistemas de centrífugas a Kim Jong-il, então líder da Coreia do Norte.


As máquinas recebidas do Paquistão eram de alumínio bruto e aço maraging, um material de alta resistência e tenacidade, explica o membro do SIPRI (Stockholm International Peace Research Institute) e mestre em engenharia nuclear Robert Kelley.

“Os norte-coreanos adicionaram pelo menos dois novos edifícios, o que mais do que dobrou o número de máquinas. Eles não são ingênuos. O Paquistão já usava fibra de carbono em 1998, e os coreanos certamente migraram para uma tecnologia melhor e mais fácil”, afirma Kelley.

Além disso, a presença de tubulações mais finas sugere melhorias nos sistemas de resfriamento interno, o que permitiria velocidades de rotação mais altas, fator essencial para aumentar a eficiência do processo de separação isotópica.

Questionado se a atual produção de urânio enriquecido da Coreia do Norte é suficiente para sustentar as ambições nucleares de Kim Jong-un, Kelley afirma que o regime já dispõe de capacidade mais do que suficiente e, ainda assim, continua tentando expandi-la.

“Eles [norte-coreanos] não precisam de mais avanços tecnológicos. O problema é que a Coreia do Norte é um estado criminoso que sobrevive de falsificação, manipulação de criptomoedas e evasão de sanções. Ter excesso de urânio altamente enriquecido para se livrar disso faz da Coreia do Norte uma enorme ameaça de proliferação. Eles farão qualquer coisa por dinheiro”, comenta Kelley.

Uma instalação como Kangson, se estiver totalmente operacional, pode conter centenas ou até milhares de centrífugas, com potencial para produzir dezenas de quilos de urânio altamente enriquecido (HEU) por ano, suficiente para múltiplas ogivas nucleares.

Estima-se que Yongbyon, outra instalação conhecida, tenha capacidade de produção de até 80 kg de HEU anualmente, o bastante para cerca de quatro ogivas nucleares.

Pesquisador sênior no Programa de Política Nuclear do Carnegie Endowment for International Peace, Ankit Panda, afirma que há uma probabilidade considerável de a Coreia do Norte expandir suas capacidades nucleares por meio da construção de novas instalações de enriquecimento de urânio, mantidas em segredo e fora do alcance de inspeções internacionais.

A avaliação ganha força diante da consolidação de Kangson como uma segunda unidade relevante no programa nuclear do regime.

“Eles querem aumentar o tamanho de suas forças nucleares para dispor de um arsenal mais resistente e capaz. Isso exigirá um enorme material físsil utilizável em armas para construir algumas centenas de ogivas ao longo do tempo. Não temos uma ideia clara de como Kim Jong-un pensa sobre suficiência nuclear, mas é evidente que ele está longe disso hoje”, explica Ankit.

Estratégia e sinalizações

A movimentação de Kim Jong-un ocorre em um contexto de crescente retórica militar por parte de Pyongyang. O ditador vem reiterando que a expansão do arsenal nuclear é uma prioridade estratégica, necessária para garantir “autodefesa” e dissuasão diante das “ameaças nucleares” representadas pelos EUA e seus aliados na Ásia.

Kim também sinalizou uma mudança de foco, ando do desenvolvimento de “armas estratégicas”, geralmente movidas a plutônio e de longo alcance, para um arsenal tático, mais ágil e de menor custo.

Nesse contexto, armas baseadas em urânio enriquecido são ideais, pois dispensam testes nucleares adicionais para serem consideradas viáveis, já que utilizam um mecanismo de detonação por colisão (gun-type), tecnicamente mais simples do que o sistema de implosão remoto, necessário nas armas de plutônio.

A mudança também reflete limitações práticas. O estoque de plutônio norte-coreano, segundo o SIPRI, seria suficiente para cerca de 20 ogivas, enquanto a produção de HEU pode ser mais facilmente escalada. Estimativas de inteligência indicam que o país já possui entre 40 e 50 ogivas nucleares, a maioria provavelmente baseada em urânio.

O conselheiro sênior do CSIS (Center for Strategic and International Studies) e ex-diretor da CIA Sydney Seiler afirma que o avanço qualitativo e quantitativo dos programas nucleares e de mísseis da Coreia do Norte, somado à modernização das forças convencionais, resulta em uma força mais robusta e encorajada para desestabilizar ainda mais a região asiática.

“Confiante de que é apoiado pela Rússia, Kim Jong-un pode encontrar liberdade para se envolver em provocações e uso da força para objetivos revisionistas, buscando alcançar o domínio estratégico na península. Isso pode acontecer isoladamente, e também pode explorar um potencial conflito China-Taiwan, acreditando que os EUA não seriam capazes de apoiar a Coreia do Sul se fossem distraídos por um conflito com a China”, explica Seiler.

Para o especialista, a divulgação de imagens de Kim em um centro de enriquecimento de urânio transmite duas mensagens. Aos norte-coreanos, sinaliza que, apesar das dificuldades econômicas, o regime continuará priorizando o programa de armas de destruição em massa.

Já ao público externo, Kim Jong-un busca lembrar o mundo que permanece comprometido em expandir o programa e que não tem intenções de negociar sua desnuclearização, seja ela total ou parcial.

Implicações

A exibição pública das centrífugas é interpretada pelos especialistas como parte de uma campanha de demonstração de força em meio à intensificação da parceria com a Rússia e à escalada de tensões regionais.

“Apenas Kim sabe ao certo, mas é evidente que sua intenção é continuar ampliando o arsenal nuclear para níveis muito além do mínimo necessário para dissuasão”, comenta Seiler.

“Embora haja elementos nos programas nucleares e de mísseis norte-coreanos marcados por exagero, engano, ambiguidade estratégica e incerteza, o histórico de seis testes nucleares e múltiplos lançamentos de mísseis — dos de curto alcance aos intercontinentais — indica não apenas avanços técnicos, mas também a clara intenção de Pyongyang de seguir construindo, aperfeiçoando e expandindo essas capacidades”, afirma o especialista.

A Coreia do Norte pode estar, enfim, entrando em uma nova fase de seu programa nuclear, com mais urânio, mais centrífugas e uma estratégia cada vez mais orientada para a dissuasão tática e a multiplicação de ogivas.


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